quarta-feira, 6 de agosto de 2014

VIAGEM AO PERU – O ESTRANHO, O MEDO E O DESEMBARQUE EM CUZCO


Oi pessoal!


Nas ruas de Cuzco o colorido chama atenção dos turistas

Sei que estou ausente desse espaço como um filho que abandonou seu pai no asilo e nunca mais voltou para vê-lo. Quero dizer que nesses tempos a minha vida está atarefada e quando tenho tempinho pra alguma coisa prefiro o descanso; seja sozinho quando ouço minhas músicas, com os amigos numa mesa de bar ou simplesmente com os meus textos de trabalho.

Hoje bateu a saudade de aparecer por aqui, contar um pouco sobre mim, sobre minhas viagens. Por isso resolvi postar algumas histórias que me lembro da viagem que fiz ao Peru (2013) nas minhas primeiras férias do Jornal O Rio Branco.

Bom, a viagem foi ótima e as experiências que tivemos por lá foram as melhores possíveis ainda mais quando você tem ao seu lado pessoas bacanas e um objetivo: Testemunhar o amor.

Ônibus que fizemos o trajeto
Em Agosto de 2013, fui convidado pelo casal de amigos - Ângela Rodrigues (ZÚ) e Francisco Pantigoso (PANT) - para participar da cerimônia de casamentos deles que aconteceu em Lima, capital do Peru. Daí, como viajar sozinho não é muito a minha praia, resolvi convidar o Emerson Barbosa (jornalista de Rondônia) a fazer essa viagem comigo.

PARTIDA

Saímos numa quarta-feira da Rodoviária Internacional de Rio Branco. O valor da passagem ida e volta [Trecho Rio Branco/Porto Maldonado/Cuzco – Cuzco/ Porto Maldonado/ Rio Branco] custou R$ 320 reais pela Movil Tur [Empresa peruana]. Por lá, encontramos um paulista que estava de passagem pela capital do Acre e que pegou o mesmo ônibus que a gente. Seu nome? Gregory Matteucci um sujeito a principio estranho mais que logo conseguiu fazer amizade conosco.
Gregory e Eu no ônibus da Movil Tur

Ás 10 horas nosso bus saiu da rodoviária e partimos para a fronteira (Epitaciolândia/Bolívia) onde fizemos nossa primeira parada para almoçar. Visivelmente ansioso, falei ao Barbosa (Emerson) que não ia almoçar comida brasileira e que daria tudo para provar da culinária dos Andes. Ele, muito fã da comida acreana não perdeu tempo e fez o seu prato estilo pedreiro (uma moita sem fim). Após o almoço, pegamos a estrada e com destino à Assis Brasil (última cidade brasileira na fronteira do Brasil com Bolívia/Peru).

No trajeto, o “comissário de terra” nos entregou um formulário para preencher que facilitaria na saída do país e na entrada do outro. O documento (escrito em espanhol/inglês e português) foi entregue na Aduana em Assis Brasil. Lá desembarcamos e registramos nos documentos junto a Polícia Federal (PF) a nossa saída.

ADUANAS BRASIL/PERU

Aduana em Assis Brasil (AC)
Embarcamos novamente e ao atravessar a ponte que liga dois países, chegamos à Aduana peruana. No desembarcar, vários cambistas querendo trocar o nosso Real por Novo Sol (nuevo soles). Marinheiros de primeira viagem, pedimos ajuda de uma senhora brasileira que morava há dez anos nos Andes Peruano. De tanto tempo que morava lá mal falava o português, mas nos ajudou identificando as cédulas verdadeiras.

Depois de trocar o nosso dinheiro foi à vez de passar pelo setor de imigração. Foi nessa hora que o medo bateu e as pernas ficaram tremulas. Meu documento (RG) estava velho e a possibilidade deles aceitarem, sem o passaporte, era muito pequena. A imigração peruana é muito exigente quanto à entrada de estrangeiros em seu solo. Minutos depois cheguei à sala do chefe da imigração puxei uma brincadeira e dei o documento para carimbar (visto de turismo).  



Wanglézio e o chefe da imigração peruana

Enquanto isso ao lado dele, uns verdadeiros armários (soldados) realizava sua segurança e com a típica cara de mal. Tremi na base quando ele perguntou quanto tempo ficaria no país. Disse a ele que passaria no máximo um mês. Ele perguntou se existia a necessidade desse tempo todo e respondi que não, mais se ele desejasse poderia liberar apenas 15 dias. Ele só olhou pro meu rosto e disse: Listo! (pronto em português).

CONVERSA VAI, CONVERSA VEM

Tudo pronto e mais algumas horas desembarcaríamos na rodoviária de Porto Maldonado. Durante o trajeto, Emerson, Gregory e Eu conversamos muito. Falamos sobre sonhos, frustrações, objetivos, carreiras e até de comida. Um das coisas que não esqueço foi o desafio que o Gregory lançou: “Estou sem rumo na vida. Quero cruzar os Andes a pé. Quero descer e subir esse lugar. Talvez siga viagem até o Equador, Colômbia ou quem sabe a Venezuela. Estou sem dinheiro e vou conseguir fazer esse percurso a pé”, afirmou.

Emerson e eu não estávamos muito acreditando na história, porém, pra nossa surpresa Gregory mostrou sua mochila cheia de alimentos, objetos para acampamento e até um mapa de sua aventura. Enquanto me concentrava na conversa dele, enxergava da janela uma triste realidade da Amazônia Peruana: A ação do homem em busca pela riqueza.

Moeda Oficial da República do Peru
Máquinas pesadas e dragas, muitas dragas na beira da estrada e dentro do rio que corta aquela região. Em um determinado trecho, foi possível contar (14 caminhões) carregados de areia saiam em filas de uma base improvisada da empresa que ali extraia o produto. Registrei algumas imagens, outras ficaram na minha memória.

Devo lembrar que o trajeto foi muito tranquilo. A carreteira (estrada) do lado peruano é linda! Sem buracos, sem desvios, muito bem sinalizada. Não posso afirmar o mesmo sobre nossa estrada brasileira. Parece mais um pedaço de queijo.

Logo, a noite caiu e segundo o comissário de terra chegaríamos ás 19 horas em Porto Maldonado (capital do Departamento de Madre de Dios). A previsão dele falhou e chegamos à cidade ás 20 horas. Desembarcamos e logo achei aquilo tudo muito estranho. A começar pelo clima (17°C) e um vento supergelado. Nossa preocupação foi encontrar o guichê da empresa para fazer a conexão com o outro ônibus que nos levaria à Cuzco. Minutos depois, ficamos sabendo que o bus sairia ás 22 horas.

No desembarque em Porto Maldonado

Rodoviária de Porto Maldonado
Depois de quase 11 horas de viagem a barriga dava sinal de fome. Na rodoviária havia vários biscoitos e pequenos lanches com aparência bem gostosa, mas a fumaça e o cheiro que vinha lá de fora me atraiu. 

Avistamos pequenas barracas que vendiam jantas (cena) e produtos comuns em mercados. De cara, avistei um homem tomando um caldo servido num prato de alumínio com pedaços de frango (Pollo) com batatas e macaxeira (mandioca).

A cena não era das melhores, tendo em vista que ao passo que olhava pra ele logo acima de sua cabeça, no telhado, passou um rato gigantesco (No Brasil seria classificado como uma cutia). Aí a vontade de comer ficou por lá. Emerson se encantou com um prato de Pollo frito com batatas e salada com abacate. Até que curti a ideia, daí fui na opção dele e resolvemos arriscar. Pedi uma coca cola e não tinha. Pedi uma Fanta Laranja, também não tinha. A única coisa que existia ali era água mineral e Inca Kola (tem coloração amarelo-ouro).

Garrafa de Inca Kola 
Pedi a tal Inca Kola e tomei mais da metade pra ajudar a descer. Nossa maior preocupação foi com a saúde, pois afinal, sem ela como viveríamos para contar a história depois?

Depois da gororoba segui as dicas da minha colega, Mircléia Magalhães, de comprar uma pílula para náuseas, enjoos e problemas de pressão por causa da altitude. Procuramos a bendita pílula, mais não havia disponível nas barracas. Até que por indicação de um senhor, encontramos e tratamos logo de tomar para fazer efeito na viagem, afinal, iríamos subir as cordilheiras na madrugada.

CONEXÃO EM PORTO MALDONADO

O tempo passou e o horário do embarque chegou. Fomos os últimos a entrar no ônibus. O Gregory também pegou o mesmo ônibus de conexão que a gente. Ele estava nos procurando desesperadamente pela rodoviária porque ouviu alguém dizer que sairia em poucos minutos. Corremos até o guichê da administração da rodoviária para efetuar o pagamento do imposto de embarque (Aproximadamente 2 Sol Novo). Passagens carimbadas e o embarque feito às pressas.

Chegando ao terminal, pegamos nosso ônibus de três andares, equipado com televisão, poltronas mega reclináveis, banheiro gigantesco e um som ambiente regado ao estilo Cumbia Romântica. Ficamos no primeiro andar lá de cima. Visão privilegiada! Pena que de noite não enxergamos muita coisa, mas o amanhecer foi espetacular. Lembro que na poltrona da frente havia uma família (pai, mãe, um bebê de colo e um menino mais crescido), ao lado três americanas e uma francesa.

Ela recebeu o apelido de "Bonita" por seu charme e carisma
Minutos depois de viagem, o anúncio da Comissária de Terra, apelidada de bonita (porque ela é realmente muito bonita), explicava que ônibus era equipado com calefacción (aquecimento), banheiro que era usado apenas para urinar (ela frisou que era apenas para urinar se alguém quiser fazer o número 2 deveria avisar ao motorista, ele pararia no meio da estrada e a pessoa descia) e que serviria em breve um lanche aos passageiros.

Lanche servido no ônibus
Começamos a conversar, Emerson e Eu, falamos das nossas vidas de jornalistas, das dificuldades de trabalhar na área, dos benefícios de ser um comunicador, conversamos dentre outros assuntos dos amores e das pessoas. O papo ia fluindo muito bem, até que a Bonita (Comissária de terra) veio nos oferecer uma caixinha com bolacha (salgada), um pedaço de bolo de laranja e Cupcake com Inca Kola e água mineral.  Não perdemos tempo e fizemos amizade com ela, porém, a coitada sozinha fazia o serviço de bordo nos três andares e pouco tempo teve para conversar conosco.

Não demorou muito para eu sentir um friozinho a mais, afinal, escolhi o lado da janela, e perceber que os vidros estavam embaçados. Dentro do ônibus pouco se ouvia barulho, só da Cumbia que tocava na rádio interna. Minutos depois a sinfonia de roncos e tosse indicava que as pessoas estavam cansadas, ou dormindo e dando os primeiros sinais da altitude.

Uma horinha depois começamos a subir as cordilheiras. Subíamos em forma de circulo. Subíamos, subíamos , subíamos e foi assim o restante da viagem. Parecia que nunca mais andaríamos em linha reta como na estrada. Lá pelas tantas da madrugada, sem pregar um olho, as meninas do lado começaram a passar mal. Uma delas encheu o saquinho para vomito, outra reclamava de dor de cabeça. Emerson não aguentou e dormiu. Talvez para não testemunhar a cena ou ainda seria a melhor forma de passar aquela experiência horripilante de subir as cordilheiras e não sentir “coisas”.

Descendo, descendo, descendo (...) 
Da janela menos embaçada avistava os paredões de pedras e os carros passando espremidos ao lado do nosso ônibus. A cada ultrapassagem, só Deus sabe o quanto eu morria de medo de bater naquele negócio e cair no abismo. Mesmo assim resolvi ouvir meu MP3 ao som de (Ivan Lins, Caetano Veloso, 14 bis e sertanejo universitário misturado com pop rock). Não custou muito para sentir os olhos pesando. Numa pestanejada e o sono me consumiu.

Tempos depois acordei e nosso ônibus continuava a subir as estradas das Cordilheiras. Olho para o lado e vejo a maioria das pessoas dormindo. Olho pro outro lado e testifico os primeiros raios do sol. Vejo também lá em baixo pequenas luzes acessas (infindáveis pontinhos de luzes) e pensava que estaríamos chegando ao destino: Cuzco.

A viagem prossegue e volto a dormir. De repente, o ônibus começa a descer, descer e descer. Era algo muito rápido como se não estivesse com freios. O meu coração acelerou, comecei a suar e ficar preocupado com a velocidade do ônibus que ameaçava bater nos paredões de pedras ou quem sabe nas carretas que por lá trafegam. Resolvi acordar o Barbosa. O cara também ficou aflito! Não sabíamos se nos despedíamos ou deixávamos recado para nossas mães se alguém sobrevivesse.


Montanhas de gelo nas Cordilheiras dos Andes 

O dia clareou e sou acordado pelo barulho de um senhor que seria o primeiro a descer no trajeto. Lá em baixo ele pegava seus pertences e abraçava sua família. Deu um beijo numa senhora, tal sua esposa, que vestia uma roupa de lã colorida e um chapéu esquisito. Barbosa e Eu, nesse momento, passávamos a lembrar das cenas de terror que vivemos na madrugada. Logo em seguida os outros passageiros também comentavam sobre a viagem.

Nessa altura da viagem as primeiras características de Cuzco se revelavam. Casas bem pobres construídas nas pedras. Na beira da estrada era possível testemunhar a vida no campo rural; animais soltos na estrada, carroças carregadas com alimentos e a famosa folha de coca amontoadas em sacos de fibra.

Nosso café da manhã (Desayuno) foi servido dentro do ônibus. Sucos, bolachas, Inca Kola e Chá foram servidos pela Comissária Bonita. Optei pelos biscoitos que havia comprado no Brasil e tomei suco e Inca Kola. Já o Barbosa foi com o Desayuno da casa.

Tantas horas de viagem e algumas coisas começaram a me aborrecer. O Choro inconstante do bebê da frente, o mau-cheiro insuportável do banheiro e a aflição de sair daquela estrada. Demorou só mais um pouco e depois de 22 horas (de Rio Branco a Cuzco) chegamos à cidade dos Incas.

O DESEMBARQUE EM CUZCO

Na rodoviária a grata surpresa: Não sabia se estava na torre de babel ou encontro internacional de vários países. Pense num lugar cheio de gente de várias partes do planeta! Agora imagine todo mundo gritando e falando alto como se não houvesse o amanhã! Pensou? Pois bem, assim era o ambiente da estranha Rodoviária de Cuzco.

Rodoviária Internacional de Cuzco - Peru
O frio de (10° C + vento gelado) deram ás boas vindas aos turistas medrosos (Emerson e Eu).  No desembarque, comecei a sentir algo diferente. Emerson falava algo e ouvia segundos depois com deley. O corpo pesava muito e era impossível respirar naquele ambiente. Logo pensei: Coisas da altitude.

Pegamos nossas coisas e fomos procurar hotel. Ainda na Rodoviária, no portal de saída, encontramos uma senhora de estatura baixa que vendia estadias. Sua cara não era das melhores. Sei que não podemos e que é deselegante julgar as pessoas por sua aparência, mas seguindo as orientações de quem já visitou o Peru – “Tome cuidado na rodoviária! Cuidado com o golpe! Muitos peruanos gostam de dar golpe nos brasileiros”! – resolvi informar ao Barbosa que negociaríamos com outra pessoal o hotel pois ela não passou confiança.

Barbosa concordou e resolvemos procurar outros agentes de turismo. Demos uma volta na rodoviária e ele encasquetou com essa mulher e resolveu ouvir a proposta. Resultado: depois de muito convencimento ficamos no hotel dela (Tupana Wasi). Pegamos um táxi e ela nos levou para conhecer as instalações.

Rua do hotel Tuapana Wasi

Quando chegamos, paramos o carro no meio da rua e os motoristas começaram a buzinar. Era algo estranho e muito estreito. Daí, começamos a nos familiarizar com ela e o ambiente e aceitamos ficar. A senhora, de imediato, nos ofereceu chá da folha de coca e perguntou se queríamos fazer o Desayuno. Barbosa aceitou, porém, eu só queria dormir e passar aquela coisa ruim. (Continua...) 


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